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12/01/2012 19h42

Cristina Ortiz com sabor de pimenta brasileira

Foto: Luiz Cequinel

Sessenta e um anos de idade e 59 de carreira. Algo errado nessa informação? Não. Cristina Ortiz começou a tocar piano com apenas dois anos de vida. Quando se ouve esta história, logo se pensa que é mesmo um engano. O mais natural é imaginar que a iniciação musical tenha acontecido lá pelos quatro, cinco anos de idade, afinal, com apenas 24 meses, a criança é praticamente um bebê e, teoricamente, não teria nem como alcançar o teclado do piano. Mas ela era danada.

Como a família tinha piano em casa, o pai de Cristina costumava tocar (de ouvido) principalmente durante reuniões familiares, com amigos e, claro, nos aniversários dos integrantes do clã. Então, aos dois anos de idade, a menina já subia no banquinho do piano e dedilhava como se estivesse brincando com o preto e branco e o som do teclado. “Desde então, o piano passou a ser o meu brinquedo”, revela.

Tocar mesmo, pra valer, foi no dia do aniversário de seu irmão mais velho, que completava sete anos: “Minha mãe preparou o bolo de aniversário, colocou a velinha número sete, preparou os docinhos, mas meu pai não estava lá para tocar o ‘Parabéns pra Você’, estava viajando. Nessa época, como eu já estava ‘mais velha’, tinha três aninhos, não tive dúvida: subi no banquinho e toquei o ‘Parabéns’ em Fá maior”, conta.

A premiada pianista clássica, nascida no Rio de Janeiro, mora em Londres, onde, além do repertório clássico erudito internacional, toca seus compositores brasileiros preferidos, como Fructuoso Viana (que compôs Shumanianna especialmente para ela), Villa-Lobos, Nepomuceno e Lorenzo Fernandes. Este último foi diretor do Conservatório de Música do Rio de Janeiro, onde Cristina estudou dos oito aos 15 anos – um de seus grandes incentivadores.

A pianista Cristina Ortiz está em Curitiba. Veio como solista convidada do Concerto de Abertura da 30ª Oficina de Música de Curitiba, um dos maiores eventos musicais da América Latina. Em sua primeira participação, confessa: “estou encantada”.

Ao tomar conhecimento do nível dos professores e, principalmente, dos alunos de várias partes do mundo, não resistiu e se ofereceu para dar ministrar um masterclass de piano para alguns privilegiados. Durante dois dias Cristina Ortiz, em sala de aula, em frente a um piano na Capela Santa Maria Espaço Cultural, pouco se parecia com a estrela, intocável – e impecável –, que arrancou aplausos eufóricos no concerto de abertura do evento, no grande auditório do Teatro Guaíra, no último dia 8. Estava lá, generosa, aberta para ensinar aos pupilos a sua arte. Perfeccionista, em determinados momentos chega a pegar nas mãos de seus alunos para melhor explorar o talento de cada um. Ela mesma, com 59 anos de carreira, também ansiava aprender. No terceiro dia de oficina, ela, que às três da tarde ainda não havia almoçado, mal podia esperar para, depois de seu masterclass, assistir às aulas de regência do maestro Abel Rocha, na sala 161 do Guairão. Diretor artístico do Teatro Municipal de São Paulo e regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, ao perceber sua “nova aluna”, bem no cantinho da sala, o professor, de forma descontraída lhe faz reverência. “Admiro esse músico e gosto muito de aprender coisas novas. Abel é moderno, descolado”, diz animada.

Durante as aulas do maestro Abel Rocha, nos bastidores do Teatro Guaíra, que já havia sido palco para a estrela, aplaudida de pé e com direito a pedidos de bis, a grande pianista Cristina Ortiz mais se parecia com aquela garotinha carioca que sempre vencia os concursos do conservatório onde estudava, querendo aprender mais e mais. Foi essa determinação que a levou embora do Brasil. Aos 15 anos de idade, depois de vencer um concurso para estudar em Paris, Cristina foi. Voltou e volta sempre, apenas para buscar a energia dos brasileiros ou, como ela mesma diz, “para sentir o cheiro da selva amazônica e o gosto de pimenta, apaixonante e presente na música clássica brasileira”. Radicada na Inglaterra há muitos anos, são, porém, os dotes inerentes à sua cultura brasileira – paixão, espontaneidade e flexibilidade rítmica – os que mais fortemente transparecem em suas interpretações.

No site da artista, um texto resume bem o jeito e a carreira.  “Uma artista que evoluiu de menina-prodígio à maturidade, determinada a comunicar ao mundo sua intuição, palette pianística, emoção e sensibilidade”. Solista com as mais famosas orquestras – Berlim, Chicago, Cleveland, Nova York, Praga, Viena, e Londres – Cristina Ortiz já trabalhou sob a batuta de Ashkenazy, Chailly, Foster, Jansons, Järvi, Kondrashin, Leinsdorf, Masur, Mehta, Previn e Zinman, entre outros. Como camerista, tem se apresentado ao lado de artistas como Antonio Meneses, Uto Ughi, Emanuel Pahud, Lynn Harrell, ou o Quinteto de Sopro de Praga.

Possuidora de vasto e eclético repertório, tanto em concertos quanto em gravações, seu compromisso com a música brasileira é evidente na aclamada prémière do Chôro de Guarnieri no Carnegie Hall de Nova York ou nos cinco Concertos de Villa-Lobos, gravados para Decca. Cristina Ortiz continua sua procura por raridades musicais, por meio das obras de Clara Schumann, Mompou, Stenhammar, Schulhoff ou dos brasileiros L. Fernandez e F. Vianna. Sempre mais assíduos tornam-se os workshops e masterclasses, nos quais ela, num estilo desenvolto, comunica sem reservas toda a sua experiência musical a jovens pianistas, mundo afora. “Ensinar é, também, aprender”, declara.

Nos últimos anos acrescentou à sua bagagem musical o papel de solista/regente: em Mendelssohn, no Musikverein de Viena, por exemplo, com a Orquestra de Câmara de Praga, ou em Mozart, com o Consort of London, em gravação para Collins Classics. Abre-se assim, infinita fonte à sua insaciável sede por repertório, e além dos Concertos de Mozart, Haydn ou Mendelssohn, Cristina Ortiz agora visa as obras de De Falla e Ravel.”

  • Foto: Luiz Cequinel

  • Foto: Luiz Cequinel

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